segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Entrevista com Derrick deKerckhove por Vinicius Pereira

Derrick deKerckhove é Professor do Departamento de Letras da Universidade de Toronto(Canadá) e Diretor do McLuhan Program in Culture and Technology/Universidade de Toronto. Trabalhou por mais de dez anos diretamente com Marshall McLuhan, como, co-autor, tradutor e assistente. É considerado um dos principais herdeiros intelectuais de McLuhan, tendo avançado suas pesquisas sobre mídias em torno das novas tecnologias de comunicação. Na Universidade de Toronto, leciona há anos a disciplina "Media, Mind and Society" (Mídia, Mente e Sociedade), onde discute os impactos e efeitos das novas tecnologias de informação nas práticas comunicacionais, cognitivas e culturais contemporâenas. É autor de inúmeros livros, dentre os quais "Brainframes: Technology, Mind and Business"(Bosch&Keuning, 1991), "The Skin of Culture"(Somerville Press, 1995), "Connected Intelligence" (Somerville, 1997), "The Architecture of Intelligence"(2000), dentre outros.

Entrevista com Derrick deKerckhove, feita por Vinícius Andrade Pereira, professor do PPGC-UERJ e da ESPM, para O Globo. 21/08/2008

- Vamos começar considerando o impacto das novas tecnologias nos modos como os jovens estão consumindo entretenimento midiático… O que o Sr destacaria neste contexto?

O telefone celular está distribuído mundialmente exceto, talvez, para jovens de regiões extremamente pobres. SMS (Short Message Service) é barato e tem uma linguagem e, mesmo cultura de fundo, desenvolvida do estilo telegráfico de se digitar mensagens com o polegar. Textos que podem até ser mais elaborados, mas ainda assim curtos, permitidos por equipamentos mais sofisticados.
Há também os games, os jogos eletrônicos. Há muitos deles, formando a maior indústria de entretenimento atualmente — maior mesmo que a própria indústria cinematográfica — que deve ser interativa, porque o entretenimento na sua maior expressão é em tempo real. Isso significa que a indústria do entrentenimento hoje, sob a égide das novas tecnologias, deve ser participativa, interativa, conectada e imediata. Formas de entretenimento com conteúdos tradicionais como filmes, séries de tv e mesmo livros continuam a ser consumidas, mas, a ação real se dá para os jovens dentro de uma perspectiva do “onde estou”, não em alguma ficção. Nesse sentido, talvez “consumo” não seja a palavra exata. E mais, existem ainda as mídias sociais, tipo Facebook, Orkut e MySpace, e mesmo os metaversos(Second Life, por exemplo) que promovem novos “playgrounds” para os jovens. De uma maneira geral as pessoas parecem não desfrutar de softwares
sociais para interconexões como a garotada, que está no auge dessa onda.

- Como as novas tecnologias estão mudando as maneiras das pessoas se informarem hoje em dia?
Cada um de nós ocupa o centro de uma esfera midiática eletrônica que nos apresenta todo tipo de informação, todo tempo em qualquer lugar. McLuhan propôs que o meio é a mensagem, o usuário é o conteúdo. Isso é verdade: nós estamos no centro de uma completa imersão nas mídias e nos ambientes de informação. As pessoas estão criando suas próprias redes de informação, das mais imediatas(família e amigos), às globais, através de blogs, comunidades virtuais e de softwares sociais. Podemos dizer que as pessoas criam suas próprias informações coletivamente em sites como a Wikipedia, por exemplo. Criam tais informações de modo individual e coletivamente através de sites de tagging social como o del.icio.us ou o Flickr, por exemplo. O conteúdo, o formato e a distribuição da informação mudaram também. As informações são mutimídia, hipertextuais, etiquetadas(tagged), linkadas e interativas.

- Compreendendo toda essa reflexão dentro do que podemos chamar de ecologia da informação, o que devemos considerar quando focamos as universidades dentro do contexto da cultura digital?

Várias reformas deveriam ser empreendidas a fim de permitir às universidades se beneficiarem das redes sociais digitais, adaptando seus currículos e métodos de ensino, do mesmo modo que seus métodos de avaliação, pesquisa e publicação. Mas as universidades não estão com pressa em se integrarem plenamente às novas mídias. Sim, é verdade que existem práticas tais como conteúdos de disciplinas que são dispostos da forma de podcasting, e especulações em torno da Wikiversity, mas os estudantes ainda têm que esperar o fim do lento processo de publicação das suas teses antes que possam postular a um espaço profissional mais expressivo, dentro dos meios acadêmicos. Parece injusto manter jovens doutores estudiosos privados de uma publicação on-line e, desse modo, reduzir as chances de conquistarem mais espaços de atuação, até que seus trabalhos sejam publicados no ritmo de lesma, típico da publicação em papel.

- O Sr. tem viajado por todo o mundo, dando aulas e palestras em diferentes países como os EUA, a Itália, o Brasil, o Japão, dentre outros. O que o Sr. destacaria como importante considerando os diferentes modos como as novas tecnologias estão impactando essas culturas?

Penso que o que é importante para todas as sociedades e também para todas as comunidades locais é o acesso e a garantia de liberdades civis. O fornecimento de comunicação deveria ser uma das responsabilidades principais do Estado, tanto quanto transporte, saúde, segurança e outros serviços básicos. Contudo, observamos interesses variados quanto à adoção de tecnologias de informação e de comunicação por diferentes países. Testemunhamos, por exemplo, por muito tempo — e em vão — a resistência da França contra a Internet para proteger o Minitel. E então, no começo dos anos 90, sua rápida recuperação no que diz respeito às taxas de adoção da Internet. Ou o caso da Itália, onde o acesso à Internet ainda está em um baixo patamar, de 31% da população, quando comparado aos 78% na Inglaterra. A conseqüência de qualquer retardo na adoção dessas tecnologias é a promessa de um crescimento econômico menor e mais lento. E
isso se dá porque a capacidade intelectual de um país não está sendo alimentada. É tão contraproducente para um Estado frear ou resistir através das suas leis formas de conectar comunidades, quanto concentrar todas as energias da nação em uma única indústria como a do petróleo. Você precisa de ambos, músculos e cérebro, para por em movimento um país.

- O que o Sr. diria aos pais que estão educando seus filhos hoje? Quais seriam os limites e os direitos de crianças que estão lidando todo o tempo com diferentes tipos de mídias?

Este é o maior desafio da educação. Mas é difícil encontrar professores que irão educar seus alunos para um uso crítico da web. As mídias estão mudando tão rapidamente que as habilidades requeridas para lidar com elas parecem, desde os primeiros dias da web, reservadas às gerações mais novas. O que se pode ver, por exemplo, na idade de Marc Andressen, 19 anos, quando desenvolveu o primeiro browser, o MOSAIC. O único modo dos pais intervirem eficientemente junto às “crianças on-line” é partilhar a experiência com elas de vez em quando, mostrando através de exemplos, usos adequados das mídias e se distanciando um pouco para ver como as coisas vão... dando uma passo atrás para poder ver o quadro como um todo. Como direitos das crianças, acho que são os mesmo que os dos adultos. Quero dizer, você não invade a privacidade delas mais do que como você faz com um vizinho...(rs) O mundo on-line é uma extensão e não uma
contradição ao mundo físico. Mas, como em todas as coisas, há uma aceleração e multiplicação violenta dos efeitos de qualquer meio e, no caso específico da Internet, as possibilidades de se escolher direções erradas estão multiplicadas.

- O que o Sr pensa do papel que teriam, no Brasil, formas de governo eletrônico e móvel como, por exemplo, o uso de celulares para acesso a serviços básicos de cidadania, ou mesmo para votação?...

Eu não conheço a cena política brasileira o suficiente para falar com propriedade sobre isso... Mas, posso afirmar com certeza que, se o Brasil quer alavancar sua economia e assegurar o seu papel como interlocutor no primeiro mundo, como está começando a acontecer, o governo brasileiro deveria considerar a possibilidade de conectar todo o país, começando com grandes concentrações da população como, por exemplo, provendo conectividade de graça para algumas favelas escolhidas sob certas condições, a fim de encorajar o desenvolvimento e a maturação destas comunidades.

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